Prefeitura de Nova Iguaçu faz seminário manipulado
sobre a floresta do Tinguá no Instituto Multidisciplinar da
UFRRJ
Foi uma verdadeira
manipulação o Seminário “Parque Nacional de Tinguá: uma visão de futuro
para a Baixada Fluminense” promovido pela Secretaria do
Meio Ambiente, Agricultura e Turismo de Nova Iguaçu no auditório do Instituto
Multidisciplinar da UFRRJ. O evento integrou a programação da Jornada Ambiental
de Nova Iguaçu, alusiva à Semana Nacional do Meio Ambiente.
Na mesa, apenas
discursaram os apologistas do “parque” em Tinguá, como Francisco Livino, chefe
do Parque Nacional da Serra da Bocaina; Walter Behr, ex-chefe do Parque
Nacional do Itatiaia; Carlos Alberto Mesquita, diretor da Conservation
International e o empresário Jaime Ríos, diretor do Parque Nacional da
Patagônia e do Instituto Nacional de Promoção Turística (Improtur), órgãos do
governo da Argentina. Em suas falas, um detalhe os unificava: TODOS revelaram
não conhecer a Rebio-Tinguá, ignorando solenemente a formidável capacidade de
abastecimento de água e a riqueza incomensurável de sua biodiversidade
florística e faunística.
Logo de início, os promotores do seminário (Fernando Cid, secretário
de Meio Ambiente de Nova Iguaçu e Hélio Vanderley, seu subsecretário) cometeram
uma gafe imperdoável: numa atitude desrespeitosa, inaceitável e absurda contra
a srª Gisele Medeiros (chefe da Rebio-Tinguá, que estava presente ao seminário)
não a convidaram para compor a mesa dos palestrantes, demonstrando desprezo
pela UC e sua chefia. A mesma permaneceu anônima na plateia, apesar das
reclamações que dirigimos aos promotores do evento.
Isso sem falar no
menosprezo à floresta do Tinguá constando no próprio título do seminário,
chamando a mesma de “parque nacional”, esquecendo que a citada UC é uma Reserva
Biológica, tombada pela UNESCO como patrimônio da Humanidade/ Reserva da
Biosfera. O título do seminário era “Parque Nacional do Tinguá: uma
visão de futuro para a Baixada Fluminense”
O festival de manipulações prosseguiu. No momento em que se abriu para
as perguntas do público presente, foram destinados apenas três minutos para as
intervenções. E toda vez que havia um posicionamento pró Rebio-Tinguá, o senhor
Hélio Vanderley intervinha e discursava pelo tempo que bem entendesse, apenas
para desconstruir a falação anterior.
A própria criação da
Reserva do Tinguá, em 23/05/89, foi motivada por estudos que apontavam seus
elevados índices de endemismos de flora e fauna. Por reconhecerem sua
importância para a manutenção da riqueza biológica da Mata Atlântica,
pesquisadores e gestores do então IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
e dos Recursos Naturais Renováveis), órgão do Ministério do Meio Ambiente,
decidiram por uma categoria de Unidade de Conservação (UC) que assegurasse a
preservação desse rico patrimônio biológico. Vinte e oito anos após a sua
criação, as pesquisas científicas reafirmam a necessidade premente de manter
protegida a biodiversidade deste bioma, ainda tão pouco conhecido pela Ciência.
No local, registra-se a descoberta, em 1965, pelo professor e pesquisador da
UFRRJ Eugênio Izecksohn do menor anfíbio do mundo, popularmente conhecido como
“sapo pulga”, além de registros recentes de cinco espécies de
falconiformes (gaviões) no interior da Rebio-Tinguá, conforme trabalho de campo
intitulado “Registros recentes de Falconiformes na Reserva Biológica do
Tinguá. RJ” realizado pelos ornitólogos André de Mendonça-Lima e
José Fernando Pacheco.
Os pesquisadores em
questão concluem seu trabalho com a seguinte afirmação: “Devido aos
importantes achados relacionados neste trabalho, maiores esforços com respeito
à preservação devem ser despendidos na área da Rebio do Tinguá. Cinco espécies
registradas durante este estudo aparecem em pelo menos uma lista de espécies
ameaçadas, destas o gavião-de-penacho (S. ornatus) aparece em cinco listas de
animais ameaçados.Logo, se espera que autoridades competentes exerçam seu
papel no que tange a conservação da reserva em questão, pois a mesma está
praticamente ilhada em uma matriz urbana e sofre os efeitos deste isolamento
(e.g. queimadas, caça, desmatamentos, invasões, entre outras injúrias)”.
A Reserva Biológica do Tinguá é uma das Unidades de Conservação do
país mais afetadas por empreendimentos de infra-estrutura, como por exemplo as
linhas de transmissão de energia de Furnas e as três faixas de dutos (duas de
óleo e uma de gás) da Petrobras, que correm no subsolo da floresta
constituindo-se em iminente risco de incêndio na mata e de poluição de seus
lençóis freáticos subterrâneos.
Denunciamos que tais
empresas, além da Cedae, não fornecem nenhuma contrapartida
compensatória ao ecossistema da Reserva pelo uso que fazem de seu
território. Há também um aterro sanitário funcionando numa área do entorno e a
proximidade com a Refinaria Duque de Caxias. Tais fatores resultam em
distúrbios ecológicos causadores da perda da biodiversidade da Rebio-Tinguá.
Colocamos também que quase
80% do abastecimento público de água da Baixada Fluminense dependem da Reserva
Biológica do Tinguá, onde foram instalados diversos aquedutos e represas de
captação, até hoje cumprindo importante função social de auxílio ao Rio Guandu
e que remontam à época do Império.
Destacamos a presença de
Áreas de Proteção Ambiental (APA’s), que compõem a zona de amortecimento da
Rebio-Tinguá e que se encontram precariamente implementadas pelos municípios
que fazem limite com a reserva (dentre eles, Nova Iguaçu).
Defendemos que o ICMBio
apóie a implementação destas UC’s (unidades de
conservação municipais), que podem cumprir o papel de uso público sem
gerar impactos ambientais sobre a Rebio-Tinguá, além de permitir o
desenvolvimento de negócios ecologicamente sustentáveis para as economias
locais.
Portanto, concluímos nossa
intervenção no seminário afirmando que quaisquer propostas de mudança de
categoria desta UC, tendo em vista o Uso Público, deverão considerar os custos
ambiental e social decorrentes dos impactos gerados por este uso.
Ainda nesta linha,
enfatizamos que não há nenhum embasamento científico que justifique a
necessidade de mudança de categoria com vistas ao cumprimento do objetivo da
existência desta UC. Muito pelo contrário, todas as pesquisas existentes
apontam para a necessidade de investimentos maiores em proteção e uso restrito
da Reserva Biológica do Tinguá, tendo em vista seu potencial hídrico, sua
riqueza científica e a fragilidade de sua biodiversidade por conta das espécies
ameaçadas de extinção. Não entendemos, portanto, a origem e o porquê da
proposta de recategorização desta UC defendida e patrocinada pela Secretaria de
Meio Ambiente de Nova Iguaçu, a qual consideramos um equívoco técnico que
coloca em risco desnecessário a integridade daquele bioma da Mata Atlântica,
especialmente em tempos de acaloradas discussões sobre a flexibilização da
legislação ambiental federal.
Nossa abordagem
desmascarou também o discurso pró-parque dos palestrantes, que enalteceram o
direito ao acesso ecoturístico universal da população nesses locais. Rebatemos
afirmando que num parque o acesso é cobrado dos visitantes, sem a garantia que
essa arrecadação vá mesmo para a preservação daquela UC, uma vez que a verba é
administrada por uma empresa terceirizada, encarregada da gestão do parque.
Se levarmos em conta a
situação social de carência, abandono e pobreza característica daquela região,
concluiremos que o advento do “parque” em Tinguá provocará exclusão e
marginalização desses contingentes populacionais empobrecidos de sua área de
entorno, alijando-os do direito de freqüentarem a floresta para contemplar sua
exuberância cênica. Ao passo que numa Reserva Biológica a entrada é inteiramente
gratuita a todos os visitantes. Tal visitação está voltada para o
caráter instrutivo e para fins de educação ambiental e pesquisa científica.
A esse propósito,
lembramos ainda que a mudança de categoria somente será possível mediante
consulta ao Poder Legislativo Federal, o que certamente abrirá espaço para
interferências de setores publicamente contrários à existência das Unidades de
Conservação, como o agronegócio, cuja bancada é bastante expressiva no
Congresso Nacional.
Argumentamos que, ao contrário de "inclusivo" e
"universal", o discurso pró "ecoturismo" em Tinguá é
excludente, pois estará voltado aos que possuírem recursos financeiros para
essa prática.
Seus defensores sabem (mas
não dizem) que o estado de penúria e precariedade atual da Rebio-Tinguá não
está necessariamente vinculado à categoria de unidade de conservação implantada, e
sim à ausência de uma política pública ambiental efetiva no país, onde o
governo federal é o grande responsável pelo abandono e sucateamento em que se
encontram as áreas ambientalmente protegidas. Ou seja, tanto as reservas
biológicas quanto os parques nacionais federais (e também estaduais) sofrem com
a ausência de investimentos públicos para a preservação de seus recursos
naturais.
Ricardo Portugal - jornalista e ambientalista.
Movimento Pró Reserva Biológica do Tinguá.
Ps. do Blog: Fica reservado aos citados o direito de responder o autor do texto. A opinião do jornalista e ambientalista Ricardo Portugal necessariamente não representa a opinião do Blog.